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#4 Sumiço, verdade inventada e um adeus doloroso

Periodicidade inexistente, verdade inventada, independência programada e consumo particular.

Aqui uma playlist de 5 músicas para entrar no mood da leitura > Spotify | Apple Music.

Fui com o Arthur pela primeira vez em um rodízio de japa, ele amou | Quando a coisa aperta, ir para perto da família sempre ajuda.

Estou sumido da sua caixa de entrada, eu sei, mas também me conforta saber que eu seria só mais um e-mail nesse montante que você está deixando para organizar depois. De qualquer forma, me senti culpado por não conseguir manter a periodicidade de enviar uma nova edição toda segunda-feira. Essa culpa tem mais a ver com um vício químico, meu cérebro se acostumou com a serotonina de ser lido e receber feedbacks e poder continuar os assuntos em tantas conversas privadas. No entanto, a culpa logo desaparece quando me lembro que nunca estipulei uma frequência de envios. E eu preciso que se mantenha assim. Dessa forma consigo separar o que é trabalho e o que é hobby e também respeitar que, a às vezes, a vida tem outros planos enquanto a gente faz planos.

Durante esses mais de vinte dias, fiquei ausente por algumas razões, ou desculpas, se preferir (a maior delas por um problema de saúde envolvendo um familiar que agora que passou não gosto nem de lembrar). Vamos as próximas.

Primeiramente, passei uma semana na casa da minha irmã. Achei que ia conseguir escrever lá, até tentei, mas estava trabalhando tanto que só queria fechar o notebook e aproveitar minha família. Não tive outra escolha depois da recepção que tive. Veja bem, fazia tempo que meu sobrinho me enviava mensagens e áudios pedindo para eu ir para lá e a minha irmã nunca o avisa quando estou indo para evitar ansiedades desnecessárias. Dessa vez ela segurou a informação até a rodoviária, onde iam buscar uma "encomenda". Ao me ver, ele começou a chorar e veio correndo me abraçar. Poucas vezes eu senti um amor tão grande que curou feridas que nem existem ainda. Como pode esse serzinho que eu amo tanto estar feliz ao ponto de chorar ao me ver? Que sorte! Amo demais os meus sobrinhos que acabo direcionando para eles o amor que eu guardava para um filho que eu nem sei se desejo ter. Ao chegar na casa deles, fui presenteado com esse desenho, que sorte a minha!

🥺🥺🥺

Voltei para São Paulo e decidi me sentar para escrever o texto. Para minha surpresa, consegui escrever tudo de uma só vez e, em seguida, fui cozinhar e tomar banho, planejando editar o texto com um par de olhos descansados. Entretanto, quando voltei para a plataforma Beehiiv para publicar meu texto, ele simplesmente desapareceu. Entre o pânico e as lembranças dos conselhos da Nath Levy, que sempre me aconselhava a nunca escrever diretamente no publicador da Elle quando eu trabalhava como freelancer lá, senti raiva e entrei em contato com o suporte. Infelizmente, após a constatação de que tudo estava perdido, não tive forças para reescrever tudo.

É interessante notar que este texto atual tem a mesma ideia do anterior, mas é completamente diferente, e achei isso ótimo, colocando em prática a citação dos rios de Heráclito.

Fora isso, venho trabalhando muito, muito mesmo. Um trabalho que exige concentração e organização total, com isso minha cabeça fica sempre cheia, não tenho conseguido pensar em muitas outras coisas. É no meio desse turbilhão de pensamentos que escrevo esta edição. Afinal, criei este espaço para mergulhar mais no meu pessoal e deixar todo o resto de lado, pelo menos por um pouco.

Mari nunca decepciona.

E por falar em pessoal, minha amiga pessoal Mari Nogueira criou um espaço para ela. Chama "Verdade Inventada" e eu fiquei fã já pelo nome, me lembrou Manoel de Barros:

"Noventa por cento do que escrevo é invenção. Só dez por cento é mentira"

E achei que foi uma lembrança acertada. A Mari escreve com muita poesia, é lindo de ler. Tempera o cotidiano com lirismo. Eu gosto muito de ler a Mari ponto, mas devo confessar que minha predileção é quando ela discorre sobre maternidade. Ela se debruça sobre o tema de uma forma tão única, mesmo ele sendo tão comum. É impressionante. Vejam por vocês mesmos:

tive que tirar o colchão para um banho de sol (mães, uni-vos) depois do leite derramado e o estrado vazio me soou poético. o sol atravessava as folhas que dançavam bonitas até, como se o vento cantasse em suas cutículas -eu pesquisei a anatomia das folhas-. parecia o balé da manhã. dei uma risada e pensei: se eu não fosse mãe, nunca ia ver tudo isso numa simples cama vazia

nem mais nem menos, é isso.

a pessoa que eu fui antes de me tornar mãe morreu. e eu não estou de luto.

tudo aconteceu depois que eu virei mãe. e eu não virei mãe no parto porque a maternidade não é um interruptor de liga/desliga. é uma usina eólica: precisa de vento pra acontecer. o mesmo vento que sopra as folhas.

Fala sério!

Quer ler mais? Assine a newsletter Verdade Inventada. Indiquei nos meus stories e tive algumas respostas de gente dizendo que amou lê-la, mesmo não a conhecendo.

Como diz a Nelly Furtado, o que é bom sempre tem um final

Corpo editorial do gal-dem.

Fiquei triste ao saber, ainda que atrasado, que o portal gal-dem iria interromper as atividades. Como o nome sugere, o site tem como objetivo centralizar a perspectiva de pessoas não brancas de gêneros marginalizados. Acompanho o site há muitos anos, não sei quantos ao certo. Embora não esteja nos meus favoritos, sempre esteve no fundo da minha mente e eu costumava acessá-lo quando lembrava, especialmente a coluna "Queeries". Tirei muito proveito dali, mesmo sendo branco e hétero (finge).

Nasceu como um portal fadado ao fracasso, ainda que tenha tido um certo sucesso em investimento e um modelo de membros que por um tempo foi suficiente. Infelizmente a pandemia foi a pá de cal. Os investimentos para esse tipo de projeto estão cada vez mais difíceis de se obter, pois quem tem esse dinheiro geralmente não está interessado na causa.

Além disso, eles não veem benefícios em termos de imagem, como uma roupagem de bom mocismo.

De qualquer forma, foi bonito ver que elas caíram atirando. No comunicado de fechamento, indexaram um artigo com dezessete organizações independentes do Reino Unido para que seu público possa apoiá-las. Fizeram até chegar no Guardian. Criaram também um diretório de freelancers e colaboradores para que elas divulgassem nas redes da gal-dem para que todos tenham exposição e consigam fechar novos trabalhos. Respect!

Capa do artigo.

Este artigo que estou citando começa com informações impactantes que chamam a atenção: de acordo com relatórios recentes, no Reino Unido, cerca de 87% dos jornalistas são de grupos étnicos brancos, a representação da classe trabalhadora no jornalismo está em um nível recorde baixo e as mulheres de cor estão enfrentando uma cultura de exclusão nos principais empregos de mídia. Neste momento em que o jornalismo e as artes enfrentam crises, é importante buscar plataformas e apoiá-las.

Apesar de não ser uma novidade para mim que o Reino Unido é semelhante aos EUA em relação às pautas progressistas (um verdadeiro umbral), fiquei impressionado com esses dados. Embora tenha surgido uma vontade de comparar essas informações com as do Brasil, decidi deixar para outra oportunidade.

Para agora, o que quero dizer é que o fechamento do gal-dem me fez pensar em como eu gosto de consumir conteúdo. Sinta-se convidado para refletir sobre o seu consumo.

Conectado e em busca de conexão (cafona)

Tenho um amigo que costuma vir à minha casa e acha a home do meu YouTube fascinante, diz ele que é recheada de coisas interessantes. Sinto um orgulho, pois sou bom de internet, e gosto de usar o algoritmo ao meu favor, principalmente em relação ao meu consumo particular de conteúdo. Para mim, é importante que o material me leve para um lugar em que eu não estava inicialmente, ou pelo menos me aponte nessa direção.

Isso não significa que faço a linha Gabriela Priolli, também adoro um entretenimento que não me leva para lugar algum, às vezes apenas para o caminho do riso. Porém, majoritariamente, gosto da ideia de aproveitar meu tempo livre para me estimular intelectualmente.

Dentro desse consumo, uma escolha deliberada que tomei, foi a de consumir mais conteúdos produzidos por pessoas do que por empresas ou pessoas associadas a grandes corporações. Em primeiro lugar, porque quando busco estímulo intelectual, a ideia ser tratado como um potencial consumidor, um lead no funil de vendas, me irrita. Essa irritação também se dá ao fato de trabalhar nessa área há anos, portanto é importante estabelecer uma separação entre esses dois campos da minha vida. I trick people for a living.

Em segundo lugar, raramente encontro o que procuro nesses lugares, sinto que o desenho de persona do público é desregulado da realidade atual e não me sinto representado ali, mesmo sendo carne nobre no açougue epistemológico (branco, classe média, cis e etc). Isso me leva ao meu terceiro e último ponto, do qual se trata do emprego despudorado do discurso elitista, afastando o conteúdo do consumidor. Não dá nem para usar o argumento de que é uma estratégia mais focada em propósito, aspiração e desejo. Penso que nesse mundo "pós-pandêmico” e recém vindo de uma gestão incompetente, existe um prazer cada vez rampante em fazer com que sonho da ascensão seja cada vez mais inalcançável.

Vou apresentar um exemplo prático para ilustrar. Gosto muito de arquitetura e decoração e sempre visito o Architectural Digest para bisbilhotar alguma casa alheia. Certo dia, me deparei com um artigo que achei que poderia ser divertido de ler "16 Interior Design Red Flags to Watch Out For When You’re Dating". O primeiro item fala de "DIY Disasters” e traz até um profissional renomado que afirma que não existe nada pior do que isso. Como alguém que morou por muito tempo em república, onde a criatividade e improvisação eram a regra e também por acreditar que a falha é tão importante quanto o êxito em um processo criativo, não poderia discordar mais. Tudo bem, discordarmos, vamos continuar. O segundo item tem o título de "Cheap sheets make for bad pillow talk".

¯\_(ツ)_/¯

Complicado!

Deixa de ser uma questão de opinião, sinto que estou lendo algo que me olha de cima.

O cara no fim recomenda que você estude marcenaria para poder fazer uma cadeira inspirada de um grande designer.

Não sou ingênuo ao ponto de achar que sou o público alvo do AD. Ao mesmo tempo, consumir um conteúdo perene destes não deveria ser tão incômodo assim.

Ao final da matéria, eles trazem uma sessão de “green flags approved by our critics to add to your cart”. É uma dinâmica muito descarada. Primeiro listam as red flags, no bom português "coisa de pobre", e para você não ser visto como alguém tóxico, precisa adquirir uma panela da Le Creuset (primeira green flag).

Morro na gata que tem uma cozinha inteira funcional, mas nunca cozinha que acha que casa de solteiro é tipo American Psycho.

As bandeiras vermelhas só existem na medida que as verdes precisam existir.

Enfim, enxergo isso em muitos lugares e não é isso que prefiro ter na minha tela. Prefiro conteúdos de pessoas autênticas e apesar de muitos associaram esse consumo com falta de confiabilidade de fontes, posso garantir que os vídeo essays que assisto possuem mais fontes e pesquisa que muita matéria da Folha. E mesmo quando não for o caso, complemento as informações em diversos lugares quando sinto necessidade.

O que eu preciso é sentir verdade e muitas vezes encontro no Tik Tok mesmo, rede que erroneamente é associada apenas à dancinhas e o supérfluo. É lá onde procuro antes como as pessoas fazem homus, para só depois assistir a Rita Lobo e O Mohammed sugerir que eu faça o meu próprio tahine.

Por conta desse meu jeitinho, sempre me deparei com lugares legais como o gal-dem. Se o meu argumento no fim for horrível, no mínimo me leva a exercícios diferentes de consumo, o que é um grande saldo positivo. Tive o privilégio de ter acesso à internet desde criança e, felizmente acompanhado de maturidade suficiente para não me escorregar em cantos obscuros dela. Sou cria de fóruns e comunidades de troca e o meu tipo de conteúdo ideal é aquele que me contempla na equação, como voz ativa, colaborando para moldá-lo enquanto o consumo. Tanto é que, quando a Vox reporta que as adolescentes pretas são as curadoras da cultura, leio o artigo sem espanto, eu tô bem ligado.

Fashion, music, and internet memes all owe a debt to young Black women.

Ingenuidade é achar que você está acompanhando as últimas tendências de moda lendo a Vogue, consumindo o suprassumo da música pela ótica da Pitchfork e os memes mais quentes no Facebook.

Nada me tira da cabeça que eu seria um ótimo trendhunter e que o WGSN deveria me notar.

Por fim, foi difícil me despedir do gal-dem, mais ainda do que da Paper, que recentemente anunciou que vai fechar, ou o que chamamos aqui no Brasil de PASSARALHO. A Paper é maravilhosa, está fechando porque desafiou o sistema e se recusou a dobrar diante da dinâmica abusiva de anunciante. Sistema esse que nunca deu espaço para o gal-dem, que teve uma expectativa de vida até boa, diante do conteúdo produzido, por pura resistência coletiva.

O acervo do gal-dem ficará disponível online por pelo menos mais um ano, então sugiro que aproveitem a leitura enquanto ainda é possível. Quando o site sair do ar, vale anotar as dezessete sugestões que eles listam. Além disso, sempre há a opção de apoiar uma publicação independente próxima a nós, opções não faltam.

Até a próxima!

O lado bom de ter ficado tanto tempo sem publicar foi que eu consegui assistir muito Tik Tok, então a curadoria dessa vez foi mais dedicada.

@gee_derrick

James Blake's influence on hip hop and rnb #jamesblake #production #kendricklamar #rosalia

@mialanibackup

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@almostjeanius

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@liveyoursway

Part 1 - Handmaking a Birkin for my girlfriend #homemade #luxury #hermes #pnw #anniversary

@hiddenmoviedetails

Replying to @thatchristiangeek Did you know in film industry, there is a lot more than meets the eye when it comes to credits! #hiddenmovi... See more

Obrigado por me ler.

Até a próxima!

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