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#5 Desafios, promessas quebradas e um olhar no retrovisor

O tempo escorre por entre os dedos, e o que parece sólido se dissolve em nuvens que nunca chegam a se formar, restando apenas o desejo de um céu mais claro.

Vários Eus no ano de 2024.

Aqui uma playlist de 5 músicas para entrar no mood da leitura > Spotify | Apple Music.

Falhei!
Publiquei meu primeiro texto neste espaço em 27 de março de 2023, explicando meu objetivo: escrever o que desse na telha (em fonte serifada), uma tentativa de equilibrar as energias e não entregá-las inteiramente ao trabalho.

E o que eu fiz??? Em uma linda bandeja de prata, entreguei até a última gota de energia para o trabalho 🥰

Antes que você me julgue e pense que me falta determinação, permita-me contextualizar. Prometo não me alongar tanto — depois podemos falar de livros.

Os dois últimos anos foram marcados por mais picos que vales. Fui confiado a desafios e responsabilidades que, honestamente, nem eu sabia se conseguiria abraçar (felizmente, minhas chefes sabiam). Era como tocar sozinho um barco — um Titanic, para ser mais preciso. E, claro, não faltaram icebergs no caminho. Vi muitos abandonarem o navio enquanto eu permanecia, segurando o leme. Às vezes, parecia que o barco iria se partir e afundar de vez, e, na minha cabeça, eu iria de Jack. 

Bom, para não transformar isso em uma epopeia: deu tudo certo. Fui reconhecido, ganhei uma equipe que me inspira todos os dias, e no happy hour de fim de ano, fui laureado pela diretoria como destaque na minha área, com direito a bônus e tudo. Não poderia estar mais realizado no trabalho. Sinto que conquistei ainda mais a admiração dos meus pares, clientes e fornecedores. E, para fechar, no último dia de recesso, recebi um desafio diretamente da vice-presidente que me deu fôlego para encarar 2025 com ainda mais energia. Está tudo mais que encaminhado.

Incrível ganhar esse prêmio ao lado da Marina, que me inspira tanto. Aliás, para tudo e vai conferir a newsletter dela: https://umanewslettersobremaquiagem.substack.com

E qual foi o preço de tudo isso?

Não sou de exatas, portanto, não sei fazer essa conta, mas diria que foi um preço alto. O primeiro custo foi a exaustão criativa. Sem energia mental para produzir, redirecionei meu foco para o consumo — algo menos oneroso. Li como nunca havia lido antes e, pela primeira vez, cumpri minha meta no Goodreads: quase 40 livros em um ano. Pode não parecer muito, mas para mim foi um feito. Sempre amei ler, mas a leitura e a rotina travavam um embate constante. Em 2024, me disciplinei. Todos os dias, antes de dormir, li algo, uns dias mais que os outros, se tornou uma constante derrubar o livro/kindle na cara. 

Assim sendo, este projeto aqui foi para o caralho. Não me sentia capaz, depois de dias exaustivos de trabalho, de parar e escrever algo que me movesse de verdade. Muito por conta de um excesso de preciosismo: o texto precisava ser o mais correto possível, as ideias claras com um fio condutor sólido da narrativa. Hoje, com outra perspectiva, eu aliviaria esse peso. Deixaria as palavras fluírem, livres, seguindo o curso natural de um pensamento ainda por se organizar. Se Virginia Woolf pôde, por que eu não? (Por favor, não responda).

Outra dívida que precisei saldar foi com as minhas relações. Com os amigos, troquei muito do frenesi das baladas pela descoberta de restaurantes novos e passeios culturais agradáveis. Não reclamo: esses momentos foram, sem dúvida, um dos pontos altos do meu ano. Já no campo afetivo e romântico... bom, a história foi outra.

Não sou exatamente ligado a signos, mas admito que me identifico bastante com o meu. A intensidade escorpiana, que pede entrega total, tornou impossível embarcar em um relacionamento enquanto meu trabalho demandava tanto de mim. Não podia me doar por completo, então deixei passar pessoas incríveis, possibilidades que talvez florescessem. Mas, como dizem, o que não acontece não era para ser.

Escolhi o efêmero, o fluido, a carne, o líquido. Por um tempo, isso me bastou. Serviu bem até que deixou de servir. Agora, sinto o peso da repetição, o gosto desbotado do transitório.

E então, a pergunta inevitável: valeu a pena?

Sim, valeu. Não costumo gastar energia remoendo o passado. Foquei em uma área da minha vida e dei tudo de mim. Cresci. Realizei projetos que me enchem de orgulho. Li mais do que nunca. 

E ainda me aventurei sozinho pelo mundo, visitando quatro países. Essa história talvez conte em um outro momento.

E como será 2025?
Será completamente diferente, nem que seja a força. Sim, isso é uma ameaça a mim mesmo. 

Quem sabe volto a escrever aqui, mas de um jeito mais leve.

Porque 2025 precisa ser leve.
Há de ser leve.
Eu mereço flutuar.

Falei muito sobre mim até aqui, e por isso, peço desculpas. Mas, pensando bem, que tal reparar isso... falando um pouco mais de mim?

Nem tanto, vai, na verdade quero compartilhar uma lista dos livros que mais me marcaram este ano.

Corri para comprar a versão da New York Review of Books. Amo essa capa!

A dianteira, sem a menor dúvida, foi de Stoner, de John Williams (não confundir com o célebre compositor e maestro). Na verdade, talvez seja o meu livro favorito de todos os tempos, mas, como estou em busca da insustentável leveza do ser, prefiro não me comprometer com o definitivo — ficamos no talvez. É absurdamente bem escrito. Vale destacar que "Stoner" aqui, não é uma alcunha de alguém que fuma maconha, mas o sobrenome do protagonista, William Stoner, que cresce em uma fazenda, rejeita o destino traçado por seu pai e se entrega ao mundo acadêmico, em uma busca incessante por significado na sua existência rotineira e a complexidade das escolhas que moldam nossa caminhada.

A premissa de Stoner não é exatamente cativante à primeira vista, e temo que eu não esteja conseguindo transmitir sua grandiosidade, mas, sinceramente, foi um livro que me quebrou no meio. Cheio de conflitos interpessoais e suas dolorosas consequências e a força transformadora da literatura e do amor. Para alguém cheio de amor pela literatura, veio a calhar. 

Leia e me diga o que achou. Se preferir não ler, sem problema também.
Vamos para o próximo.

“Sometimes, immersed in his books, there would come to him the awareness of all that he did not know, of all that he had not read; and the serenity for which he labored was shattered as he realized the little time he had in life to read so much, to learn what he had to know.”

John Williams, Stoner

Mais um quote, porque não?

“In his forty-third year William Stoner learned what others, much younger, had learned before him: that the person one loves at first is not the person one loves at last, and that love is not an end but a process through which one person attempts to know another.”

John Williams, Stoner

À sombra da liderança, ficou Os Vestígios do Dia, minha estreia com Kazuo Ishiguro, onde nos acomodamos ao lado de Stevens em sua viagem, desbravando os interiores do país e da alma. A narrativa é uma reflexão sobre os dias dourados de sua profissão, seus colegas, paixões não correspondidas, antigos empregadores e sua participação nas turbulentas questões sociais e históricas da época. Uma deliciosa aula sobre a tecitura das emoções humanas, sobre lealdade, arrependimento e o amor não vivido, tudo isso ambientado no declínio da aristocracia inglesa após a Segunda Guerra Mundial. Uma obra que, em sua aparente calmaria, reverbera os ecos de uma era que se esvai.

Excelente! Leia. Se não quiser… etc

“What is the point of worrying oneself too much about what one could or could not have done to control the course one's life took? Surely it is enough that the likes of you and I at least try to make our small contribution count for something true and worthy. And if some of us are prepared to sacrifice much in life in order to pursue such aspirations, surely that in itself, whatever the outcome, cause for pride and contentment.”

Kazuo Ishiguro, The Remains of the Day

Ainda no pódio, De Profundis, de Oscar Wilde. Talvez Wilde seja meu autor favorito — mais uma vez, talvez. Esta obra é uma carta escrita na prisão, onde ele foi condenado por "gross indecency" — ou, em português claro, baitolices. Cada palavra parece ter sido meticulosamente escolhida, e cada parágrafo pulsa com um arrependimento profundo, uma beleza amarga e uma espiritualidade quase tangível. Wilde utiliza o sofrimento como um prisma, através do qual ele observa sua própria vida, o amor que o destruiu e, paradoxalmente, lhe conferiu um propósito. É uma reflexão sobre a natureza humana, repleta de uma sinceridade que machuca, mas que, ao mesmo tempo, cura.

“The only people I would care to be with now are artists and people who have suffered: those who know what beauty is, and those who know what sorrow is: nobody else interests me.”

Oscar Wilde, De Profundis

“With freedom, flowers, books, and the moon, who could not be perfectly happy?”

Oscar Wilde, De Profundis

Se algum dia você já se viu consumido por um amor que parecia maior do que sua própria essência, ou refletiu sobre como a dor tem o poder de nos moldar e transformar, De Profundis pode ser um soco no estômago — mas daqueles que você agradece por ter levado.

Adoraria ser socado por Oscar Wilde, quem sabe no purgatório.

Por fim, creio que um rápido bate-bola de alguns destaques do ano seja mais do que adequado:

Salomé, também de Wilde, é uma peça marcada por imagens poéticas e uma sensualidade imersiva. Temas como desejo, obsessão e destruição são explorados em uma atmosfera densa de tensão

Sula, de Toni Morrison. Este foi meu primeiro mergulho no universo da autora, mas com certeza não será o último. Morrison pinta um retrato profundo sobre identidade, lealdade e a complexidade do amor em uma comunidade marcada por dores coletivas que ecoam através das gerações.

Carta de uma Desconhecida, de Stefan Zweig, é uma confissão apaixonada, selada por meio de uma carta de uma mulher que dedicou toda a sua existência a um amor não correspondido. Uma intensidade avassaladora, um bálsamo para esse escorpiano.

E falando em intensidade, não posso deixar de mencionar Annie Ernaux. Li cinco obras dela este ano, e a que mais me tocou foi Paixão Simples. A força desse amor fulminante beira o doentio. Ardendo, consumindo, suando e delirando em cada palavra e gesto.

"Descobri do que as pessoas são capazes, em outras palavras, de tudo: desejos sublimes ou mortais, falta de dignidade, atitudes e crenças que eu considerava absurdas nos outros, até que eu mesma me voltasse a elas. Sem saber, ele me aproximou do mundo."

Annie Ernaux, Paixão Simples

Enfim, Maurice, de E.M. Forster e a viadagem na Inglaterra vitoriana. O livro ficou na gaveta por décadas, até que não fosse mais perigoso publicá-lo. Maurice percorre um caminho de desejo e dor, até encontrar, na aceitação de si mesmo, um amor que floresce longe dos olhos do mundo.

Maurice (1987) - Dirigido por James Ivory.

Vamos aos filmes? Assisti poucos. Neste ano, no cabo de guerra de obsessões, a literatura levou a melhor. 

Anora, de Sean Baker, mesmo que um pouco aquém de Projeto Flórida, é ainda assim, um ótimo filme. Sou fãzoca do Baker. 

Juror #2, de Clint Eastwood, foi uma surpresa. Fazia tempo que não me conectava com um filme do Clint, mas esse me envolveu. Toni Collette brilha tanto que quase ofusca o também brilhante Nicholas Hoult.

The First Omen, de Arkasha Stevenson, trouxe um terror elegante, com freiras italianas e uma série de referências à Possessão, que me arrancaram vários sorrisinhos. 

Antes do ano virar, quero assistir o do Hong Sang-soo com a Huppert, grandes chances de figurar na lista acima. Jamais saberemos. 

Para não fazer tão feio, listo alguns filmes que assisti pela primeira vez em 2024, mas que não foram lançados este ano: La Chimera, de Alice Rohrwacher, que dificilmente decepciona. Já começa ganhando pontos com a escalada de Josh O’Connor no papel principal. Amadeus, que vi em fevereiro. Sim, demorei para assisti-lo, mas a vida tem seu tempo. Quando for a Praga em breve — um desejo grande — planejo dar um pulo na Áustria e fazer um roteiro mozart-centered. Forbidden Letters, de Bressan Jr., não é para os fracos de coração. The Night Porter, idem.

Revi Videodrome, do papai Cronenberg, dessa vez no cinema com amigos, muito especial. Senti a necessidade de registrar esse momento. Lembrei de outras ocasiões, como quando assisti Noite de Cabíria, do Fellini, com os mesmos amigos, e a restauração de Morte em Veneza, que resolvi ler o livro antes de revisitar o filme e passei a madrugada imerso no delírio da maricona maquiada (eu amo). 

Neste ano, em termos de discos, não houve grandes surpresas. O verdinho da Charli dominou por aqui. FKA Twigs também marcou presença, mesmo que o álbum seja do próximo ano, os três primeiros singles já dominaram neste. Fora isso, foi mais do mesmo: Portishead, Thom Yorke, James Blake e companhia.

Nessa reta final, tenho tido ótimas recomendações musicais, mas vou guardar para mim (: 

Aleatoriedades:

Segue link caso alguém queira me presentear com o original por uma bagatela de 700 mil libras esterlinas: https://www.christies.com/en/lot/lot-5510012

@bienalsaopaulo

👖 Descubra mais sobre as fotografias de Hans Eijkelboom, em 60 segundos! 📸 © Hans Eijkelboom #bienalsp #hanseijkelboom

@mesnarky

Oh to be a fly on the wall at one of Marchesa Luisa Casati’s parties. 👀🦚⭐️ #entertainment #history #fashion #luisacasati #art #socialite #... See more

@ani__mel

60 seconds of Madeira, Portugal 🏔️

Acho que é isso, hein?

Hein?

Qual será a próxima vez que aparecerei na sua caixa? Terá uma próxima vez? Sei não, vamos descobrir juntos.

Feliz virada de ano!

Obrigado por me ler.

Até a próxima!

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