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#3 Minha primeira indicação, a fase que parece nunca chegar e o desfile para o efêmero

Após investigar a razão pela qual ainda não me sinto um adulto, cheguei à conclusão de que às vezes é necessário rasgar certas ideias.

Aqui uma playlist de 5 músicas para entrar no mood da leitura > Spotify | Apple Music.

Pai, aproxima de mim esse cálice. Aniversário do meu querido amigo, e agora ex-colega de trabalho, Victor Musso.

Decidi reservar este breve espaço em cada nova edição para falar sobre a anterior ou até mesmo sobre coisas que aconteceram no intervalo entre uma e outra e não se encaixam nessa proposta de tema único que tento trazer para o resto do texto. Talvez eu transforme isso em uma sessão com um nome legal, mas isso fica para a próxima.

Começando com algo que encheu meu coração de alegria: tive minha primeira indicação em outra newsletter. Achei chiquérrimo. E não poderia ser de uma pessoa melhor. Manu é uma das minhas mais queridas e talentosas amigas, e eu mal posso esperar para tomar um café com fofoca quando uma nova edição da Comadre chega na minha caixa de entrada. Obrigado pela indicação, Manu, e, acima de tudo, obrigado por me dar o privilégio de chamar alguém como você de amiga.

Comadre é a newsletter da Manuela Moreno, com uma curadoria de "fofocas” deliciosas. É imperativo assinar!

Quanto à edição anterior, a recepção foi boa em todos os aspectos. A taxa de abertura foi maior, o que me deu a sensação de que as pessoas não estão abrindo o e-mail por educação. O que ajudou a reforçar esse sentimento foram as conversas que muitas pessoas tiveram comigo sobre o tema da edição passada, que abordou a pandemia. Foi muito importante ter tido contato com várias perspectivas e vivências de diferentes pessoas. Me senti parte de algo que carrega muita força e potência. Admiro todas as pessoas que sobreviveram a esse período e conseguiram encontrar aprendizados e dar tempo para as feridas curarem, por mais que demorem. Pessoas como vocês sempre terão minha mais alta estima. O comportamento das pessoas diante desse momento horrível se tornou um demarcador claro de caráter e quero gente que cuidou de si e dos outros perto de mim.

Mais uma vez, obrigado por me ler.

Você se sente adulto? Eu não

Felix Gonzalez-Torres. "Untitled" (Perfect Lovers). Reflexão sobre amor, tempo e perda.

Já perguntei algumas vezes a uma amiga específica se ela se sentia adulta. Em todas elas, a resposta era afirmativa. Eu, por outro lado, respondia que ainda não me sentia assim. O argumento dela sempre foi muito gentil, listando todos os motivos pelos quais eu deveria levar em consideração antes de discordar: tenho trinta anos, sou formado, tenho independência financeira há muito tempo, mais de dez anos de carreira e uma visão madura sobre o mundo. Embora eu concorde com todos esses pontos e aceite o risco de parecer arrogante, a conversa sempre terminava como começava, com essa sensação de não pertencer à fase adulta.

Recentemente, tenho me dedicado a compreender as causas desse sentimento. Inicialmente, fiquei perturbado com a possibilidade de ser disfuncional, sobretudo em comparação com essa amiga, que é quatro anos mais nova. Como é possível ela se sentir adulta e eu não? Todas as realizações que ela mencionou gentilmente, eu havia alcançado primeiro. Nós dois somos millennials, então descartei uma explicação geracional. Nunca passou pela minha cabeça que o motivo pudesse estar relacionado à diferença em nossa sexualidade.

Mother Anita Sarkeesian, autora do videoblog "Feminist Frequency” em que examinava clichês na representação de mulheres na cultura popular. Figura importantíssima de debates online e que sofreu mais que jesus na época do Gamergate.

Caminhem comigo pelo percurso que fiz até a conclusão. Sou viciado em video essays. Para relaxar, assisto vídeos da Contrapoints, Hbomberguy, Lindsay Ellis e muitos outros. E estamos falando de vídeos que, por vezes, quase chegam à marca de duas horas. Amo o formato e o drama. Eles são muito bem pesquisados, e alguns deles investem em superproduções audiovisuais e narrativas. Além disso, gosto muito do humor que acompanha temas tão sérios. Às vezes, tenho vontade de ver vídeos específicos, seja porque gosto do assunto ou porque quero revisitar algumas conclusões que podem me ajudar a ter clareza quando necessário. Outras vezes, meu subconsciente me leva a um deles, identificando que aquela reflexão que já assisti é relevante para uma questão atual.

E foi bem isso que aconteceu. Meu inconsciente me levou novamente ao vídeo da Abigail Thorn do canal Philosophy Tube. O vídeo em questão se chama Queer , e sim, o emoji de brilho é necessário para ilustrar as ideias discutidas ali. Uma delas, e a que eu estava procurando, é a do “queer time”, ou “temporalidade queer”. O conceito é pincelado brevemente no contexto do tema do vídeo, que trata de como ela se aceitou como bissexual e desenvolveu um sentimento de gratidão pela comunidade LGBTQIA+. Mais tarde, ela fez um novo vídeo se identificando como uma mulher trans e acredito que essa clareza pode ter contribuído para o processo.

Apesar da breve menção no vídeo, foi o bastante para perceber que ali poderia encontrar respostas. Pesquisei e descobri que o termo “temporalidade queer” foi cunhado pelo teórico trans Jack Halberstam em seu livro “In a Queer Time and Space". Halberstam teoriza que as pessoas queer têm suas percepções de tempo alteradas e transformadas em comparação com a noção de tempo heteronormativa ou a "heterotemporalidade".

Será que isso explica o motivo de gays andarem tão rápido ou aceitamos a teoria que no spotify mental de todo gay toca "Crazy in Love” obrigando a andar no ritmo?

Por exemplo, o tempo macro de acordo com a noção heteronormativa, ou o que ele chama de “family time”, é visto como um ciclo: nascimento, adolescência, formação acadêmica, entrada no mercado de trabalho, independência financeira, casa, carro, casamento e filhos. Parei na fase dos filhos de propósito, porque o ciclo recomeça com eles e continua com a velhice e, finalmente, a morte. Esse percurso é ensinado à criança, que, se for heterossexual, provavelmente o seguirá.

No entanto, para uma pessoa queer, este ciclo não representa a norma. Desde a infância, enfrentamos privações: não nos é permitido ser, portar-se, falar ou vestir-se de determinadas maneiras. Durante a adolescência, fase em que normalmente ocorre o desenvolvimento sexual, essas privações, o bullying, a repressão sexual, a expulsão de casa, e o abandono familiar interrompem as expressões entendidas como normais. Ao usar apenas essas duas fases como exemplo, é possível notar um descompasso, colocando-nos em um inevitável anacronismo.

"O fluxo de tempo e as épocas que compõe uma vida queer não correspondem à cronologia ou sequer à sequencialidade de uma vida hétero, então não faz sentido comparar sua própria narrativa à de uma pessoa heterossexual, como se ambos fossem cavalos soltados ao mesmo tempo em uma mesma pista de corrida" 

Jack Halberstam

Em outras palavras, a sensação de ser adulto dentro desses parâmetros é reservada apenas para indivíduos heterossexuais. Pessoas LGBTQIA+, em contrapartida, geralmente experimentam rituais de pertencimento social, transição para a vida adulta e até mesmo o processo de luto de maneira diferente. Nada disso é preestabelecido para nós. Apenas por meio de uma investigação coletiva é possível ter uma compreensão clara disso, o que torna as teorias queer tão cruciais para a nossa comunidade. 

Por falar em coletividade, é fundamental adotar noções comunitárias para compreender melhor como certos acontecimentos podem afetar nossa percepção temporal. Não à toa, destaquei em negrito a palavra "luto" ali em cima. A epidemia de AIDS na década de 1980 encurtou significativamente a expectativa de vida de toda uma comunidade, contribuindo para o descompasso temporal que sentimos. Outro exemplo é a expectativa de vida de travestis no Brasil, que é de 35 anos. Considerando isso, quanto tempo dura uma infância travesti? Esse grupo coletivamente compreende a noção de velhice?

"Buddies” (1985) filme de Arthur J. Bressan Jr. primeiro filme a lidar com a epidemia da Aids. É ótimo e triste.

Se este assunto despertou seu interesse, recomendo também aprofundar-se na noção de "trans time", que, além de todas essas similaridades com o "queer time", possui marcadores próprios. Alguns exemplos: existe um senso comum entre as pessoas trans de que aquelas que optam por fazer a transição médica, ou seja, com hormônios e/ou procedimentos, pode experimentar "duas puberdades". Alguns homens trans encaram a terapia hormonal como uma "menopausa adiantada". Além disso, existe a ideia de "transversário" e também a ideia de infância tardia. Comprar uma Barbie ou um carro de brinquedo para uma pessoa trans tem outro peso e importância.

Assim sendo, viver sob o referencial da temporalidade heterossexual, não somente nos coloca em um lugar de descompasso e desajuste, mas também nos impede de viver de acordo com nossos próprios termos, propósitos e referenciais. Isso acontece porque essa noção de tempo não afeta apenas a maneira como os outros nos percebem e se relacionam conosco, mas também influencia nossa própria percepção de nós mesmos.

Para concluir, entender o conceito de queer time foi libertador para mim. Não por me conferir um sentimento de pertencimento, mas precisamente por reconhecer que jamais conseguirei pertencer plenamente. Os meus marcadores de para a noção da vida adulta estão em outros lugares, dentro de mim e no coletivo. Talvez eu já tenha vivido alguns deles, ou talvez ainda estejam por vir. De qualquer forma, estou feliz por ter a capacidade intelectual de reconhecê-los e atribuir-lhes a devida importância.

Adendo rápido:

Caso você se identifique com o conteúdo do texto, mas não se identifique como queer, saiba que existem outras estruturas que também podem afetar a percepção de tempo. O capitalismo é uma das maiores delas. É claro que se você trabalha desde jovem, sua percepção do tempo é diferente da de alguém que é herdeiro e não trabalha. O relógio não é misericordioso com aqueles que sentem fome.

Sistemas normativos que influenciam a percepção de tempo.

Se desejar se aprofundar ainda mais, recomendo assistir a videoaula do professor Cael Keegan. Começa no minuto 2:55.

Let them have nothing

Desfile de 2004 do designer Jum Nakao considerado por vários insiders como um dos maiores momentos da moda nacional.

Há mais de dez anos, durante o meu segundo ano na faculdade, optei por uma disciplina eletiva de multimeios com uma abordagem pouco convencional. O objetivo era compreender, na prática, o impacto dos novos meios de comunicação. Jogamos video-game, especificamente "Limbo", para analisar o design como parte integrante da narrativa. Também ouvimos o álbum "Zaireeka" do Flaming Lips em quatro CD-players simultaneamente para experimentar o sound design e sua sensorialidade. Além disso, assistimos a uma seleção de videoclipes dirigidos por figurões como Michel Gondry, Spike Jonze, Chris Cunningham. Foi nessa disciplina que assisti pela primeira vez o videoclipe "Come Into My World" da Kylie Minogue, que se tornou um dos meus favoritos de todos os tempos.

Os alunos estavam entusiasmados com a matéria, e ela nos permitiu escapar um pouco da rigidez acadêmica que muitas vezes desanima os estudantes. Em uma das aulas, o professor exibiu um vídeo de um desfile de moda, o que causou desconfiança e agitação entre alguns colegas de classe. Na cidade pequena do interior onde estudávamos, a moda era vista como um interesse exclusivo de mulheres ou viados. No entanto, o professor não tentou acalmar os ânimos ou fornecer contexto sobre o que iríamos ver. Ele simplesmente cumprimentou a turma, abaixou o painel de projeção, apagou as luzes e iniciou o vídeo. O que assistimos foi o desfile de Jum Nakao na SPFW de 2004, intitulado "A Costura do Invisível".

Eu já tinha um certo interesse por moda, mas era mais por intuição do que por conhecimento técnico. Ainda sou assim, às vezes não consigo explicar exatamente o que me atrai em uma coleção. No entanto, o desfile que eu estava assistindo era fácil de entender. As roupas apresentavam construções volumosas e simétricas, cortes caleidoscópicos e modelagens inusitadas. Eram estruturadas de tal maneira que até o movimento era dramático. Para enfatizar ainda mais o branco das peças, as modelos usavam roupas pretas por baixo, criando um efeito onírico.

Tudo parecia muito bem deliberado. O cenário, a música, as luzes, as sombras e a disposição das modelos no espaço formavam uma performance coesa e impactante. A beleza das modelos, com seus capacetes estilo playmobil, pele pálida e batonzão preto, acrescentava uma dose de teatralidade. Eu já estava satisfeito com o espetáculo visual que tinha diante de mim enquanto imagem de moda, mas meu professor tinha expectativas maiores em relação ao vídeo. Havia uma mensagem oculta, que só se revelaria ao final. E foi um choque quando aconteceu. A música mudou de tom, as modelos se posicionaram lentamente de frente para a plateia, uma à esquerda e outra à direita. Quando a música e a iluminação ficaram frenéticas, elas entenderam o sinal. Ao mesmo tempo, todas rasgaram suas roupas em uma performance cheia de corporalidade. Mas como aquelas roupas puderam ser rasgadas tão facilmente? Eram todas de papel.

Até hoje, o vídeo me causa arrepios, assim como aos convidados presentes naquele dia. Produzido pela equipe do estilista, o vídeo mostra a rasgação das roupas intercalada com expressões chocadas, frases hiperbólicas sobre o desfile e braços esticados tentando alcançar algum pedaço de papel na passarela, como um souvenir. Todos perceberam imediatamente a magnitude daquele ato e como ele entraria para a história, não havia dúvida sobre isso.

700 horas de trabalho rasgadas.

A mensagem transmitida também é impactante: um comentário sobre a efemeridade da indústria da moda, onde nada dura, o consumo desenfreado, o desperdício de matéria-prima e as expressões de estilo que são diluídas em tendências mercadológicas. É importante ressaltar que essa era uma época em que estávamos nos aproximando da derrocada das tendências como as conhecíamos, que nortearia alguns anos, ou até mesmo uma década inteira. Hoje em dia, temos quarenta tendências acontecendo simultaneamente, transformando-se enquanto você lê esse texto. Agora que eu estava me acostumando com a estética nostálgica do Y2K, já estamos falando de Nowstalgia.

Embora tenha escolhido o efêmero como ponto para amarrar esta edição no campo da temporalidade, aprecio muito este desfile também enquanto uma quebra de expectativas. A passarela geralmente serve como uma vitrine conceitual para uma coleção a ser vendida. Sentados ali estão os players da indústria da moda, a imprensa pensando em como reportar aquele desfile, o consumidor decidindo se compraria ou não, o stylist já pensando em composição de looks. E tudo isso desmorona em menos de dez segundos. É uma iconoclastia aplicada à moda em um pas prêt-à-porter, not ready to wear.

No ano seguinte, encontrei o livro "A Costura do Invisível" produzido pela Senac, com belas imagens e um DVD com o documentário na página final, em uma feira do livro na cidade onde estudei. A barraca tinha um esquema de troca, então dei um livro do Bukowski que estava parado em casa, ou algo equivalente. Achei que foi uma bela troca para mim. Nesse mesmo ano, enquanto organizava a semana de comunicação da faculdade, persuadi os outros membros a convidar Jum Nakao para uma das palestras. Entrei em contato com a equipe dele para descobrir que o preço não cabia no nosso orçamento, que era zero. Fiquei com raiva na época, não conseguia entender como alguém poderia cobrar para palestrar em uma faculdade. Pelo menos pagaríamos pelo transporte, sabe? Mas passou, foi efêmero.

Você conhecia esse desfile? É impressionante, né? Eu gosto até hoje!

Até a próxima!

Ao verificar o contador de palavras acima, noto que cada edição está se tornando mais extensa, o que me causa certa preocupação. No entanto, tenho apreciado muito o processo. Durante a semana, vários temas surgem em minha mente, lutando por minha atenção. À medida que os dias passam, um deles se destaca e eu sigo minha intuição para desenvolvê-lo durante o fim de semana.

Sinto que esse projeto está trazendo benefícios para minha clareza mental, e a cada nova edição, minha satisfação aumenta. Além disso, percebo uma melhora em meu estilo de escrita, o que é maravilhoso.

Para descansar os olhos, compartilho cinco vídeos da minha For You page que fisgaram minha atenção nessa semana:

@kanyespostspodcast

I bumped into the Kim Kardashian Ruined My Life Guy! Invited him on my podcast to tell his story from start to finish #kimkardashianruined... See more

@allonso113

Replying to @maliksokumbi #greenscreen Do I like Mariah Carey? No not really. She doesn’t really produce my favorite kinds of music. HOWEV... See more

@thegaze_

Josephine Nivison Hopper sacrificed her successful art career in favor of her husband’s. Learn more below. In 1923, aAt a moment when Edwa... See more

@ethan.uncurated

Joe Pease, Artist of the Year. Mundane Multimedia Video Collages that feel outerworldly and amazing to watch. #aftereffectsedits #aftereff... See more

@playandsingwithrobert

My last succession related post. For the week. See also @playandsingwithrobert & @playandsingwithrobert #successionhbo #successiontheme #... See more

Finalizando, ultimamente tenho sentido que este será um ano difícil para as Kardashians. Diversos artigos têm surgido sugerindo que elas estão perdendo relevância. Talvez a controvérsia envolvendo Kylie, Hailey e Selena tenha sido apenas o começo. Se de fato isso acontecer, o mercado de influenciadores deve tomar um chacoalhão, o que pode ser interessante acompanhar.

Bom, por hoje é só. Gostaria muito de saber sua opinião sobre esta newsletter. Deixe um comentário, me manda um e-mail, uma DM, whats, pombo correio. Leio, respondo e não apago!

Obrigado por me ler.

Até a próxima

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